COVID-19 (Coronavírus) e a aplicação da lei penal. Tipos penais mais comuns com a pandemia.
- Rodolfo Fernandes
- 15 de abr. de 2020
- 3 min de leitura
Desde o fim de 2019, quando o mundo presenciou o surgimento dos primeiros casos da doença COVID-19 (Coronavírus), temos presenciado diversas mudanças políticas, econômicas e sociais, fruto do enfrentamento ao vírus. Cada país tem tratado da sua própria forma o surto da doença, que passou a ser classificado pela OMS como Pandemia em março de 2020.
Naturalmente, a situação emergencial de cada país fez emergir novas leis e novos dispositivos normativos, geralmente temporários, que tratam do tema.
No Brasil, em razão da COVID-19, foi editada a Lei nº 13.797, em 06 de fevereiro de 2020 que entre outras coisas trata das medidas sanitárias que podem ser tomadas durante o estado de emergência, e outras medidas que visam evitar o agravamento da crise sanitária do país neste período. Essa lei foi regulamentada pela Portaria 356, de 11 de março de 2020, do Ministério da Saúde.
Já a Portaria Interministerial nº 5, de 17 de março de 2020, dispõe sobre a compulsoriedade das medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública previstas na Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020. Estabeleceu por exemplo que o descumprimento da quarentena, do isolamento, dos exames médicos, testes laboratoriais e tratamento médico poderá sujeitar o infrator a sanções penais previstas no art. 268 e 330 do Código Penal.
A Lei Penal Brasileira prevê alguns tipos penais que podem ser aplicados em relação a proliferação de doenças contagiosas e epidemias sanitárias.
Embora a Portaria Interministerial nº 5/2020 tenha citado apenas os artigos 268 e 330 do Código Penal, entendemos que os crimes previstos nos artigos 267 (“EPIDEMIA”) e 131 (“PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE”) do CP também podem ser aplicados eventualmente. Faremos breve comentários sobre todos estes dispositivos.
O delito denominado “EPIDEMIA”, positivado no art. 267 do Código Penal chama atenção pelo seu nome, uma vez que estamos no meio de uma pandemia conforme classificado pela OMS – Organização Mundial da Saúde e pelo fato de não ser um crime comummente praticado.
Esse delito tem como ação nuclear: causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos. Ao nosso ver este é um crime de difícil execução mesmo nesta época, uma vez que o seu núcleo, qual seja, causar epidemia, dificilmente ocorre ou ocorreria na prática. Adotando a interpretação literal o agente teria que obter formas para disseminar um germe patogênico contaminando toda uma localidade ou região e assim agir para disseminar este novo vírus, o que não é comum tampouco acessível à maioria das pessoas na prática.
A portaria interministerial nº 5/2020 destacou os crimes do art. 268 e 330 do Código Penal, ambos crimes de menor potencial ofensivo.
O crime de “INFRAÇÃO DE MEDIDA SANITÁRIA”, do art. 268 do CP é norma penal em branco, necessitando como complemento ato do poder normativo que estabeleça quais as medidas sanitárias que se descumpridas caracterizariam o delito. Neste contexto, a Lei nº 13.797/20 combinada com a Portaria nº 356/20 do Ministério da Saúde funcionam como complemento para a norma penal em branco.
Cabe destacar que se trata de crime de perigo abstrato, bastando para sua consumação que seja descumprida a medida sanitária, sem necessidade de se comprovar eventual dano à saúde que tenha sido causado pelo descumprimento.
Desta forma, quem se negar a cumprir o isolamento ou que tenha sido determinado pelos médicos, ou a quarentena determinada pelas autoridades públicas pode ser enquadrado no delito em questão.
Já o crime de "DESOBEDIÊNCIA" do art. 330 do CP, provavelmente terá aplicação subsidiária, uma vez que na maioria das vezes a infração de determinações do poder público que visam o enfrentamento à crise acarretará o enquadramento do ato como infração de medida sanitária (Art. 268 do CP) em nossa opinião.
Por fim, o crime de “PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE”, dispositivado no art. 131 do CP requer que o agente esteja contaminado e tenha ciência disto. O núcleo do tipo deste caso é praticar ato capaz de produzir o contágio de moléstia grave. Para ficar em um exemplo simples, trata-se de uma pessoa que após saber que está contaminada, deliberadamente saia pelas ruas conversando com as demais, apertando-lhes as mãos e espalhando o vírus de propósito.
De forma, geral, estes tipos penais já consolidados na legislação penal bem como a Lei nº 13.797/2020 e demais atos normativos visam a adoção correta das medidas sanitárias pela população. Como já está sendo amplamente divulgado pela mídia, as medidas sanitárias corretas podem nos levar a salvar milhares, talvez milhões de vidas ao redor do mundo.
Em que pese a força coercitiva do Direito Penal sobre os atos dos cidadãos, o combate ao Coronavirus depende muito mais do compromisso individual e coletivo de todas as pessoas em cumprir as determinações públicas dos especialistas em saúde e epidemiologia. Trata-se de um compromisso moral. Sem este esforço coletivo a legislação por si só não terá força para fazer frente ao espalhamento do vírus.
RODOLFO HENRIQUE FERNANDES
Advogado, pós graduando em Direito Legislativo e Administração Pública pela Universidade de Pernambuco.
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